Uma das características mais interessantes de se viver em uma cidade como Curitiba, situada no sul do mundo, mais especificamente ao sul do Trópico de Capricórnio, é que isto nos proporciona o privilégio de experimentarmos as quatro estações climáticas durante a volta completa da Terra ao redor do astro rei. Apesar de que há quem diga que o curitibano está acostumado com as quatro estações no mesmo dia! Não sei se você concorda com isso, mas é fato que na nossa cidade o tempo muda o tempo todo.

 

As mudanças na estação inspiram a poesia, a música, a literatura, o cinema, a moda, e também os cervejeiros. Em cada uma destas áreas, a sua maneira, os artistas se apropriam de características das estações do ano para nos brindar com sua arte.

Ivo Rodrigues e Alice Ruiz na composição “Volto na Primavera”, gravada pela banda curitibana Blindagem (Acesse o vídeo aqui), poetizam e brincam com as estações do ano. Cair de porre no verão, sonhar no outono e voltar na primavera até parece um convite. Mas, calma, vamos de leve para aproveitar cada estação.

“Antes que eu te deixe

Deixe eu dar um gole em você!”

A primavera está acabando e no dia 21 de dezembro vai ocorrer no sul do mundo o solstício de verão, daí em diante, teremos mais calor, roupas leves, protetor solar, sorvete, picolé, água de coco, cerveja gelada, chuvas intensas e passageiras, dias mais longos e ensolarados (em Chuvitiba, em ano de el niño?!… fala sério!).

As características desta época do ano oferecem as condições ideais para convites irrecusáveis que você provavelmente já recebeu. Diz aí quem ainda não foi convidado a descer a serra até East Beach para pegar jacaré e comer milho verde sabor maresia? Ou, aposto que já fostes seduzido a ir até Porto de Cima para descer o rio Nhundiaquara de boia, aproveitando aquela água fresquinha da serra do mar. E quanto aquele banho nas cavas do Boqueirão à revelia das orientações do corpo de bombeiros? Você diz que nunca foi, mas aquele seu primo sim… Tá bom!… Impossível também não lembrar daqueles que ano após ano são convocados a mostrar as marcas do inverno nas espreguiçadeiras (se chegarem cedo) ao redor das piscinas dos clubes da capital.

Para os mais chiques, nesta época do ano o destino certo é Balneário Camboriú. Depois de horas no congestionamento, lá pelas cinco da tarde sobra meio metro quadrado na areia da praia sob as sombras dos prédios da orla. Com sorte, você não fica tão perto daquele hermano que está cor de rosa porque esqueceu o protetor solar e, nesta altura do campeonato, já borracho de tanto misturar mate e caipirinha.

Mas, se você não viveu nenhuma destas situações, tenho certeza que o verão ao menos já o levou a tostar o pescoço, cortando grama ou lavando o carro com balde e mangueira na frente casa. Todavia, independentemente das escolhas que tenha feito nesta vida de curitibanices, é certo que um ingrediente não esteve ausente em nenhum destes programas: a cerveja. O que nos remete a algumas questões, no mínimo, curiosas: existe uma cerveja certa para estes momentos? É possível determinar a cerveja certa para cada tipo de clima? Ou você é do tipo que bebe uma cerveja e aí entra no clima?

Não vou sucumbir à tentação de tentar responder a estas questões. Mas quem já sobreviveu a algumas das situações acima relatadas e agora está lendo este post certamente aprendeu a superar até mesmo a tentação de tomar somente aquele tipo de cerveja feita com cevada, milho e arroz. Vale lembrar que esta mistura é responsável pela recomendação de que estas cervejas sejam consumidas estupidamente geladas, pois a baixa temperatura distorce a percepção dos sensores gustativos da língua. Neste caso, elas servem tão e somente para refrescar. Mas não seria o caso de conhecer outros tipos além da tradicional loura? Que tal uma ruiva, negra, amarela? Experimente e prepare-se para surpresas.

Sabemos que as cervejas mais consumidas no Brasil são popularmente chamadas de pilsen e pertencem à família das lagers, caracterizadas por serem de baixa fermentação. Isto significa que durante o processo de fabricação a fermentação destes estilos ocorre a uma temperatura que varia entre 5 e 12º C, com a levedura atuando na parte inferior do fermentador. Por outro lado, a fermentação das cervejas de outra família muito apreciada pelos cervejeiros, as Ales, ocorre na parte superior do fermentador com temperaturas mais altas, entre 15 e 24º C.

Mas o que dizer de uma cerveja que faz uma certa mistura destas duas famílias?

Pode-se dizer que esta é a proposta da primeira cerveja que escolhi para fazer uma resenha neste blog. Trata-se da Jan Kubis, dos cervejeiros curitibanos da DUM Cervejaria. Arrisco dizer que uma das principais características do pessoal desta cervejaria é a ousadia, e isto rende a eles diversas premiações, mas principalmente oferece para nós, degustadores de cerveja e também cervejeiros caseiros, inspiração para inovar e buscar novas possibilidades.

A Jan Kubis é uma American Pale Lager, mas o que isto significa?

A DUM Cervejaria fez a base de uma receita de uma cerveja Ale, mais precisamente uma APA – American Pale Ale. Entretanto, na hora de fermentar, resolveu testar uma levedura para cervejas lagers, e inoculou um fermento utilizado para fazer uma cerveja internacionalmente conhecida, a Pilsner Urquel. Além disso, utilizou-se a técnica de dry hopping (adição de lúpulo durante a fermentação), feito com o lúpulo simcoe, originário dos Estados Unidos. Esta mistura conferiu a cerveja alta drinkability, aromas cítricos e refrescantes, com um amargor marcante no final, agradando os loucos por Ales. Por outro lado, mantem a essência das lagers, com uma coloração límpida e dourada, refrescancia e baixo teor alcoólico, com 5,3% ABV.

O nome da cerveja homenageia um paraquedista tcheco, considerado herói na Segunda Guerra Mundial por ter eliminado um oficial alemão conhecido como o carniceiro de Praga. Mas além disso, vale ressaltar a pertinência do nome, pois a República Tcheca é berço do estilo pilsner e o país que possui o maior consumo per capita de cerveja no mundo, com uma quantidade média superior a 140 litros por habitante/ano. Com estes números, é possível supor que os tchecos bebem cerveja “pilsen” o ano inteiro. E nós, brasileiros, curitibanos?

Os números do consumo de cerveja no Brasil são modestos, principalmente se comparados aos tchecos, pois no país são consumidos cerca de 60 litros de cerveja per capita ao ano. Mas cá entre nós, isto não importa, pois o que realmente está mudando no país é o consumo de cervejas artesanais. O brasileiro está experimentando diferentes cervejas, conhecendo as diferenças entre estilos, aguçando o paladar.

Mas para começar a se aventurar pelo universo das cervejas artesanais não é necessário complicar e muito menos se tornar um beerchato, importunando o vizinho que bebe a marca da Verão. A essência da cerveja é ser uma bebida popular, festiva, promotora de socialização e de alegria e, se for uma artesanal, de saborosas descobertas.

Que entre um gole e outro possamos discutir sobre as características do aroma de uma American Pale Larger, mas também sobre o fenômeno el niño e o céu cinza que se anuncia para este verão curitibano. Se sua opção for uma IPA bem lupulada, também não tem problema, mas não se esqueça de me convidar.