TSSS!

Antes de falarmos sobre cerveja, se ajeite no travesseiro e vem no embalo – é hora de historinha.

 

Um dia um lobo encontrou um carneirinho que se afastara do rebanho. O lobo decidiu encontrar uma boa razão para devorar o carneirinho e assim falou:    

– Você é o carneirinho que me insultou no ano passado!    

– Não – disse o carneirinho.

– No ano passado eu não era nascido…    

– Então você é o carneirinho que comeu a grama das minhas pastagens!    

– Não – retrucou o carneirinho. – Sou tão pequeno que ainda não como grama.    

– Então você é o carneirinho que bebeu no meu poço!    

– Não – respondeu ainda o carneirinho. – Não preciso de água porque bebo o leite de minha mãe.    

O lobo saltou sobre o carneirinho, urrando:    

– De qualquer modo, vou devorar você!

 

Moral da História – “O tirano usa qualquer desculpa.”

 

Esopo foi um escritor da Grécia Antiga a quem são atribuídas diversas fábulas populares, inclusive a que você acabou de ler. A historinha acima poderia ilustrar o atual momento de diversos “causos” de nossa sociedade, mas vamos ajustar o foco no líquido que completará nosso copo em breve.

O apetite das grandes cervejarias frente ao mercado das artesanais nunca foi tão grande. O amigo Wilson fez um ótimo apanhado sobre o assunto neste texto. Um dos grandes lobos do segmento, conhecido pelo nome de AB InBev, comeu adquiriu há pouco tempo conhecidas marcas da recente história cervejeira nacional – destaque para a mineira Wals e a ribeirãopretana Colorado.

É claro que não podemos ser ingênuos, pois existem interesses dos dois lados. Mas passarinhos nos contam outras histórias de carneirinhos que vem por aí. Com seus argumentos, o lobo vai enchendo a pança.

Você roubou meu market share!

Em Curitiba, por enquanto, ainda temos diversos bichos bem fortes e armados. Talvez o mais conhecido no meio cervejeiro local e nacional seja o bode. Animal de resistência natural e capacidade de adaptação a diversas condições, também ajuda a dar nome a uma das mais inventivas e interessantes cervejarias de nosso país: a Bodebrown.

A cervejaria é fruto da cabeça inventiva do pernambucano Samuel Cavalcanti, que aqui em Curitiba também se adaptou e resiste realizando uma grande revolução no segmento. Além de suas belíssimas cervejas, a Bodebrown é responsável por diferentes ideias, como escola cervejeira, loja de insumos, ampliação do consumo de growler na cidade, festivais e por aí vai. Estar presente às sextas e sábados no espaço da fábrica é como ir ao parque de diversão – o pico é um verdadeiro ponto de encontro da cerveja artesanal curitibana.

Pronto pra batalha. Vai encarar?

A marca iniciou sua caminhada em 2009, justamente com a cerveja que agora vejo em meu copo: a Wee Heavy. Trata-se de uma Scotch Ale, inspirada nas cervejas escocesas. Sim, uma cerveja curitibana de alma nordestina e vestida de kilt.

Dica de traje e postura para apreciar sua Wee Heavy.

Lembro da primeira vez que tomei uma garrafa. Foi logo após o primeiro dia de curso na mesma cervejaria. Que susto! É uma pancada: do momento que você abre ao instante que o gole desce pela garganta. É uma boa brincadeira oferecer o copo para alguém que ainda não sacou a distância entre uma cerveja de mercado (xixi de lobo) e uma boa representante de estilos mais fortes e bem feitos: não tem jeito, com seus 8% e aroma e sabor no talo, é 8 ou 80. Dificilmente alguém ficará indiferente frente a essa cerveja.

A cor é profunda, marrom intenso e ótima espuma. É característica do estilo um grande equilíbrio entre aroma e sabor (tem malte pra dedéu na receita), então não vá bebendo sem antes dar uma boa cheirada na sua cerveja. Você irá sentir o caramelo, a castanha, talvez um pouco de madeira e certamente o melaço de cana.

Prepara a gaita de fole que lá vem o gole. POW! No sabor, a cabeçada do bode é certeira: por conta da quantidade de malte na receita, o lado doce é bem presente – então toma caramelo, rapadura e frutas secas, como ameixa e uva passa. Temos a madeira de novo, um quê defumado e uísque. O álcool capota o guerreiro, então vai com calma. O aftertaste (sabor que fica na boca após o gole) é tipo Highlander, escocês famoso: demora pra morrer.

É uma cerveja gigante, que merece as inúmeras medalhas e prêmios que possui. É uma cerveja pra mostrar ao mundo que o lobo tem fome sim, mas a cabeçada do bode pode ainda fazer um baita estrago.

Saúde!